terça-feira, 7 de abril de 2020
Chuva no telhado
Escuto o barulho da chuva caindo lá fora. O céu escurecido
pelas nuvens e minha mãe logo ali sentada na sua velha máquina de costura.
Ainda que soassem os trovões e os raios caíssem, ainda assim ela não perdia o
foco do seu trabalho, pois dele dependia o sustento da casa, o sustento de sua
filha, no caso eu.
Por um instante - que o fiz imortal - me detenho ante a janela do quarto, que era
de madeira com ripas que deixavam frestas que permitiam ver os pingos d´água se
derramando pelo chão de lajota vermelha. Naqueles segundos sentia tão
fortemente quanto “tudo” aquilo era real. Não havia nada mais real e mais
sólido que a chuva que desabava sobre a nossa casa. Não havia nada mais real
que o friozinho a gelar os nossos pés.
A vida era real. O frio era real. A chuva era real. Assim como
minha mãe... zinha era real, sentada em sua máquina e costurando os seus
zigue-zagues pela vida. E tão real era eu ali parada, observando o tempo e o vento.
Os cadernos jogados no canto e meu olhar sobre eles. O que será que estaria
reservado ao futuro? Pelas regras era e somente poderia ser um dia pelo outro.
E o futuro era apenas algo obscuro nas entrelinhas do tempo. Quem poderia saber
quem deveras algum dia ser pretendente meu. Mas por enquanto, ali parada não me
tinha pretensões a cerca do futuro, mas apenas vivia o presente. E o presente
era tão real, tão vivo, tão permanentemente junto ali de minha mãe. Ali, a vida
se fazia concreta, ali eu existia... ela existia.
E nosso mundo era aquele. Nós duas andando por aquela linha
do tempo, que naquele instante “era vida real”. Éramos real. Assim como o dia
da semana era real. Assim como aquela hora daquele dia era real. Assim como as
gotas d´água daquela chuva era real. Assim como as contas daquele tempo era
real. Assim como a fome seria real caso não alimentássemos nossos corpos
devidamente.
Estar na vida era como estar a espera de ver o “tempo passar”,
numa ânsia obscura de se ver um tal futuro chegar... como se em todo futuro
houvesse tesouros guardados a se desvendar. Sempre na esperança de que nele
houvessem pedras preciosas, afinal, quem ficaria pensando em encontrar
pedregulhos?
E na meninice de meus dias sem igual, conservava minha alma
pura e um coração genuíno, nutrido pela sabedoria e amor de minha mãe, que de
tudo se dispôs a fazer-me em boa criação. Se a bondade e o amor nos faz
ingênuos, então, já se é de suspeitar o quanto por vezes incompreendida era,
por não saberem o significado de meu olhar para com a vida, para com as coisas,
para com as pessoas... amor... bondade... beatitude.
Tão densas as energias a rodear aquele mundo tão real.
Tão densas as energias formatadas no coração das pessoas
daquele tempo.
Assim tão puro coração meu, a navegar nas águas daquele
momento que para mim era meu eterno mundo real.
Assim se constituía e assim se constitui aquilo que
denominamos “vida real”. Hoje aqui olhando as 4 paredes que me envolve, que “nos”
envolve, constituímos em nossa mente que isto “tudo” é o que de mais real que
existe. E que esta realidade é concreta tal como o aço.
Mas hoje, minha mãe que sempre fora feita de aço, não jaz
mais aqui nesse momento do tempo. De repente, a realidade que nos conclama sólidos
e imortais... nos faz transparentes.
Então, questiona-mo-nos, até que ponto somos sólidos e
imortais?
Até que ponto vamos prosseguir em nossa fortaleza de aço?
E qual será o momento do tempo que eu, você, nós, nos
tornaremos super-herois invisíveis?
E o vento assobia lá fora. E o sol brilha sua luz
incandesdecente, a nos queimar a pele. E a lua derrama seus raios prateados
presenteando o coração dos enamorados.
Tudo... tudo numa breve questão de uma breve fração de tempo!
Na galeria insondável do tempo imortal!
E se a vida depende do tempo par
a existir, ou para deixar de
existir,
- O que é a vida sem o tempo?
- O que é a vida fora do tempo?
- O que é a vida além do tempo?
Em qual tempo nos fazemos seres reais, sólidos e imortais?
O tempo que não se faz tempo...
O tempo que se faz verbo:
“Eis que já não existimos sem o Tempo do verbo Amar!”
Por Joiss
Cannis
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